quarta-feira, 14 de setembro de 2011

(Re)Fazendo História

Tem uma coisa que me incomoda muito quando leio uma resenha ou crítica de um filme: a falta de informação de quem escreveu. Principalmente quando essa falta de informação leva a conclusões erradas e opiniões mais erradas ainda. E ainda mais atualmente, quando não é exatamente difícil se conseguir informação sobre praticamente qualquer assunto.
Para ilustrar isso, eu vou citar um exemplo. Melhor, dois exemplos num mesmo tópico: remakes.
Eu cansei de ouvir que “Hollywood hoje só pensa em fazer remakes” ou que a “moda hoje em dia é fazer remakes de qualquer coisa”, e pra completar essa eventual revolta (e talvez justificá-la), aparece a frase de que “eles estão sem criatividade para fazer filmes novos” ou algo parecido com isso.
Muita gente parece associar remakes com sinônimo de filmes ruins ou que não merecem ser vistos (afinal, o original é sempre muuuuuito melhor), com caça-níqueis feitos apenas para arrancar dinheiro dos espectadores, ou até mesmo um desrespeito com grandes obras, grandes diretores etc. E também com uma "moda" recente. Na verdade, a coisa não é bem assim.
Peter Lorre na primeira versão de
O Homem que Sabia Demais, de 1934
Fico surpreso como não se percebe (ou se esquece) que grandes filmes da história do cinema eram remakes. Grandes diretores fizeram suas próprias versões e interpretações de outros filmes e foram aclamados por isso. Aliás, o teatro sempre faz “remakes” de peças clássicas, e isso não parece incomodar os críticos e os pretensos entendidos.
Por exemplo, Alfred Hitchcock filmou O Homem que Sabia Demais em 1934, mas decidiu refazer o próprio filme em 1954, numa versão que ficou mais famosa, com James Stewart e Doris Day. Ainda ficando em Hitchcock, Disque M para Matar (1954) também é uma versão da mesma história, que já tinha sido feita em 1952.
Outro filme pouco lembrado como sendo um remake é o clássico da Ficção Científica Enigma do Outro Mundo (The Thing, 1982) de John Carpenter, que já tinha surgido como O Monstro do Ártico (The Thing, 1952). O filme de Carpenter é considerado um dos marcos da ficção/terror, uma verdadeira jóia criativa que envelheceu muito bem, podendo facilmente assustar platéias atuais (e o qual terá uma nova versão - um prequel, na verdade - em breve).
E que tal remakes triplos? O filme (fraquinho) A Casa de Cera (House of Wax, 2005) é uma versão de Museu de Cera (House of Wax, 1953), que por sua vez também é um remake de Os Crimes do Museu (Mystery of the Wax Museum, 1933)!

Enigma de Outro Mundo (1982) - um filme irretocável que -
olha que surpresa! - é uma refilmagem.
Se for pra ficar enumerando remakes, a lista é gigantesca, e com várias surpresas para o fã incauto de cinema. A questão aqui é não dizer qual filme é ou não uma versão desse ou daquele outro filme, mas mostrar que essa prática não é uma moda atual, e que não é de hoje que Hollywood reutiliza histórias. O cinema herdou muitas práticas do teatro, modificando-as para melhor se adequar a sua própria linguagem, então não é de se surpreender que a ideia de refazer uma história ou dar uma nova versão a ela seja tão comum e esteja presente em toda a história do cinema.
E como dá pra perceber pelos títulos que citei, nem todos os remakes são ruins, carecem de criatividade e são versões pioradas de algum clássico muito melhor. Em alguns casos, o remake é muito melhor e acabou ficando muito mais famoso e marcante do que o original. Poxa vida, Alfred Hitchcock achou que valia a pena refazer um filme dele!
Os critérios pra se avaliar um remake devem ser os mesmos utilizados para qualquer outro filme, e não se deixar levar por preconceitos bobos do tipo “ah, é um remake então é ruim”. Claro que existem versões que ficaram terríveis, bem piores do que os originais (como foi o caso de Psicose) e remakes que são totalmente desnecessários (como foi o caso de Psicose), mas isso na impede de sair bons filmes com histórias que já foram mostradas antes.
Psicose, de 1998. Um remake desnecessário e chato.
Já falei que esse filme é ruim?
O único fator a mais que um remake deve ter além de um filme “não-remake” é o seguinte: deve haver um motivo para se fazer o remake. O diretor tem uma nova abordagem da história, acha que vale a pena fazer uma versão atualizada, ou com outro tipo de direcionamento, ou até mesmo quando se acha que, com as técnicas atuais, a história ficaria melhor.
Fazer por fazer, só porque conseguiu um ator da moda pra participar dele, ou porque o nome é forte (uma eventual “certeza” de atrair público), ou pra colocar um elenco adolescente ou algo assim, é uma receita pra fracasso. Mas, pensando bem, esses elementos fazem qualquer tipo de filme ficar ruim de doer, não?

sábado, 2 de julho de 2011

Aventuras de RPG que eu adoro: Ravenloft

Minha ideia inicial era fazer listas de assuntos relacionados ao RPG, começando pelas cinco aventuras que eu mais gostei de mestrar, e falando um pouco a respeito de cada uma, citando coisas divertidas que aconteceram e etc.
Mas aí me deparei com dois problemas: primeiro: estava ficando difícil achar apenas cinco, já que tive excelentes experiências com várias aventuras. E segundo: estava me alongando demais nos comentários e explicações de cada aventura.
Então me veio a solução: porque não falar de apenas uma aventura por vez? Como isso me pareceu muito mais interessante, então é exatamente o que vou fazer. Ou melhor, farei uma série de postagens com experiências e opiniões pessoais de algumas aventuras de RPG que mestrei ou joguei ou simplesmente li e achei bacana.
Um aviso; não é segredo algum que eu sou um grande fã do D&D e que ele é o meu cenário/sistema favorito. Então, boa parte das aventuras que comentarei é de D&D, da primeira até a terceira edição, com algumas outras ocasionais publicações do sistema d20.
Conde Strahd, numa belíssima ilustração de Clyde Caldwell
Peço desculpas para quem não conhece RPG e segue o Gabinete, por aquela sensação de “não sei nada do que ele está falando”, mas imagine que são apenas livros ou revistas ou filmes sobre os quais eu estou opinando.

Ravenloft, o terrível castelo assombrado.

Em 1983, o casal Tracy e Laura Hickman escreveu uma aventura bem diferente do que era comum no D&D da época: Ravenloft (o módulo identificado pelo código I6). Sem saber, eles estavam fazendo uma das melhores e mais famosas aventuras do hobby, que já foi mencionada, copiada e parodiada de tudo quanto é forma possível.
Os heróis chegavam à isolada vila de Baróvia e descobrem que estão presos, só podendo sair de lá se derrotassem o terrível senhor do local, o poderoso vampiro Conde Strahd von Zarovich, para isso tendo que invadir seu castelo povoado de inúmeras criaturas terríveis. Para conseguir enfrentar o tal conde, os heróis se consultavam com ciganos (com direito a leitura de cartas), descobriam parte do passado do vilão e resolviam pequenas missões na vila.
E eram justamente esses elementos que diferenciavam Ravenloft das aventuras publicadas anteriormente. A “leitura” de cartas podia mudar praticamente toda a aventura, alterando o lugar onde os jogadores poderiam encontrar itens e artefatos importantes para a luta contra Strahd, e alterava os próprios planos do lorde vampiro. Ou seja, a aventura podia ser jogada várias vezes, sendo diferente em cada sessão.
A fachada nada convidativa do Castelo Ravenloft,
por Ralph  Horsley

Mas o ponto mais interessante era, sem dúvida, a história. Claramente (e assumidamente) inspirada em Drácula (história real e fantasiosa), o Conde Strahd era um antagonista memorável, inteligente, ardiloso, maligno, arrogante, poderoso, cheio de recursos e aliados e, se interpretado e usado corretamente, quase impossível de ser derrotado. Suas únicas vulnerabilidades são trechos do seu passado, que ainda o atormentam e que os heróis podiam usar contra ele. Não era um simples orc, ou dragão ou gigante, que podia ser facilmente derrotado com a combinação certa de magias e espadas.
Apesar de ser uma clara versão de Drácula para o AD&D, Strahd tinha personalidade e carisma (dentro do possível). Não era um simples monte de números e estatísticas, nem um reles dragão que estava lá só pra tentar matar os heróis. Strahd era o personagem principal de sua história, enquanto os jogadores eram apenas… convidados especiais para aquele episódio. 
O módulo I6 foi um dos maiores sucessos da época, o motivou a TSR a lançar uma continuação em 1986, Ravenloft II: The House on Griphon Hill, onde a coisa ficava ainda mais estranha, com Strahd sendo “dividido” em duas versões, uma maligna e outra boazinha, e encontros bem estranhos com inúmeros tipos de mortos-vivos.

A caixa que tornou Ravenloft um cenário completo, com mais
domínios, mapas, imagens dos outros vilões...
Ravenloft, o terrível cenário assombrado! 
Em 1990 foi lançado todo um cenário alicerçado em Ravenloft (que compartilhava seu nome), onde vários reinos (ou melhor, domínios) tinham vilões que eram versões de monstros clássicos do terror, reimaginados dentro de lógica do AD&D. Eles estavam aprisionados em seus reinos, amaldiçoados por sua maldade e por seus atos e condenados a eternamente… enfrentar grupos de heróis que apareciam de tempos em tempos.
Com excelentes aventuras e suplementos, Ravenloft (o cenário) tinha histórias incríveis, que facilmente rivalizavam em qualidade com suas fontes inspiradoras. Além de versões de monstros clássicos, alguns vilões retirados da mitologia do AD&D receberam um espetacular tratamento no cenário, como Harkon Lucas, o manipulador lobo metamorfo, Azalin, o tirânico lich e Jacqueline Renier, a sedutora mulher-rato.

E tudo isso começou com uma simples aventura de se invadir o castelo e destruir o vampiro malvado.

Atualmente o cenário e a linha de produtos foi descontinuada, não antes de ter sua versão para a segunda e terceira edição do D&D. Mas Ravenloft (a aventura) ainda persiste, seja em sua versão pra segunda edição (com o nome House of Strahd), ou para a terceira (Expedition to Castle Ravenloft), ou até mesmo em sua versão como jogo de tabuleiro (chamada apenas Castle Ravenloft).
 
Respectivamente: edição comemorativa, versão para o AD&D 2a edição
 e capa dura para a 3a edição.
Parece que von Zarovich não envelheceu muito bem...
Como mestre e jogador, já presenciei alguns momentos… curiosos dessa aventura, graças à incrível imaginação caótica dos jogadores, ou a sua tremenda falta de sorte:

Momento assustador: o personagem de um dos jogadores, ao entrar em uma cripta, é teleportado para outra cripta, cheia de monstros mortos-vivos que o atacam de imediato. Detalhe, o personagem é teleportado sem seu equipamento e roupas. Em seu lugar, um morto-vivo aparece vestindo as roupas e equipamento do herói desaparecido. Os seus colegas ficam com a impressão que o amigo virou um morto-vivo!

Momento engraçado: um dos jogadores, cujo personagem era um bárbaro incrivelmente poderoso, depois de enfrentar um ataque de mortos-vivos a vila de Baróvia, resolve comemorar e vai a uma casa de meretrício, sem desconfiar que as prostitutas eram vampiras controladas pelo Conde Strahd. Ele voltou na manhã seguinte fraquinho, fraquinho...

"Eles invadem o MEU castelo e eu é que sou o vilão..."
Momento “como assim?”: usando um artefato mágico poderoso de efeitos imprevisíveis, um dos jogadores conseguiu fazer que o vampiro Strahd voltasse vida... como um guerreiro e feiticeiro de poder assombroso (por 24 horas). Toca o Strahd mudar toda sua estratégia pra tentar derrotar os heróis...


sexta-feira, 27 de maio de 2011

Aniversariantes Assustadores

Estou meio sem tempo para fazer uma postagem decente, mas não podia deixar em branco o dia de hoje, que é aniversário de dois dos meus atores favoritos.

Então, só para fazer uma rápida homenagem...

Meus mais sinceros parabéns ao sir Christopher Frank Carandini Lee, que hoje completa 89 anos...


E ao centenário do nascimento do inigualável Rei do Grand Guignol,Vincent Price.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

OOK! ou O excelso cavalheiro da Ordem da Grande A’Tuin

Muitos escritores gostam de dizer que almejam um dia ter a mesma habilidade com as palavras de Stephen King, ou de Neil Gaiman, ou Machado de Assis, ou até mesmo de Shakespeare. Eu gostaria de, um dia, escrever tão bem como Terry Pratchett.

Sir Prachett
foto de sua página oficial.
Para quem não conhece, Pratchett é um inglês que começou sua carreira em 1971, e ao longo desses quarenta anos escreveu uma quantidade insana de livros, em grande parte de fantasia, ficção e humor. Normalmente, misturando esses estilos em histórias estranhas, insólitas e engraçadíssimas. Ele consegue fazer um humor tão rápido e inesperado, que muitas vezes é difícil ler um de seus livros sem ter que parar a leitura para rir ou tomar fôlego entre uma piada e outra.

Sir Pratchett (ele recebeu o título da Ordem do Império Britânico em 1998 por sua colaboração para a literatura e o título de cavalheiro em 2007) é um dos autores mais lidos do Reino Unido (pra ser específico, o segundo mais lido) e o sétimo escritor não-americano mais lido nos EUA. Ele já vendeu mais de sessenta milhões de livros, em 37 idiomas diferentes.

Todos esses dados são legais, interessantes e tal (e facilmente adquiridas via Wikipédia), mas um detalhe torna Pratchett ainda mais genial: ele é o criador de Discworld.

O Disco, um mundo chato como uma pizza, que fica apoiado nas costas de quatro elefantes titânicos, que ficam nas costas de uma tartaruga gigantesca, é o cenário de histórias engraçadíssimas, que parodiam todos os elementos de literatura fantástica que se pode lembrar (e alguns de outros estilos também). O primeiro livro foi A Cor da Magia (The Colour of Magic, de 1983) e a série foi seguindo, seguindo e agora, ao todo são 38 livros, com mais um prometido para outubro deste ano. E isso se consideramos apenas os livros tidos “principais”, pois ainda existem outros livros paralelos, voltado para o público infantil,  ou de arte, ou descrevendo a geografia do Disco, ou de receitas…

Uma pequena amostra dos livros de Discworld...
e não é completa!
Além dos livros, Discworld já foi tema de adaptações para rádio, teatro, games para computador, RPG e filmes para televisão. Volta e meia aparecem notícias sobre essa ou aquela adaptação para cinema aparecem aqui e ali…

O cenário é tão vasto, e suas histórias tão diferentes que ainda vou dedicar mais postagens a ele. Por enquanto vamos ficar por aqui e falar mais do autor.

Pratchett não é apenas um escritor divertido, engraçado e hábil com as palavras (sem mencionar rápido!), mas é também uma pessoa com um enorme senso crítico, mostrando questões sérias de forma muito diversa do que estamos acostumados. Ou seja, usando humor, fantasia e personagens engraçados, ele nos faz refletir em assuntos que normalmente deixamos de lado na nossa rotina. Mesmo que seja apenas para vermos o ridículo de certas modas, atitudes, comportamentos, etc.

É curioso que um autor assumidamente cínico e pessimista quanto à humanidade possa escrever de forma tão engraçada e divertida, deixando sempre escapar uma mensagem com um pouco de otimismo e esperança.

E mesmo que ele não admita, esperança parece não ser apenas uma crença vazia para ele (novamente, por mais que ele diga não tê-la). No final de 2007, Pratchett anunciou que é portador de uma forma rara (e incurável) de Mal de Alzheimer, em seus estágios iniciais. Depois de seu anúncio, fez grandes colaborações para o Alzheimer's Research Trust (fundo britânico que patrocina pesquisa sobre a doença) e constantemente chama atenção do público para as diversas polêmicas envolvendo o tratamento.

Ele não se entregou ao autopiedade ou a perspectiva de que sua maior qualidade, sua mente, pode abandoná-lo em pouco tempo. Continua escrevendo sobre os diversos assuntos que gosta, participando das produções baseadas em suas obras e atuando na defesa da causas que escolheu.

Escritor de fantasia, fã de videogames, Astronomia e História Natural, defensor de orangotangos e de pesquisa sobre tratamento de Alzheimer, criador de um dos mundos mais bizarros da literatura, ter seu nome numa espécie pré-histórica de tartaruga... E ainda por cima, é amigo do Neil Gaiman!

E feliz aniversário (um pouco atrasado, ele completou 63 anos em 28 de abril deste ano).

Parabéns por tudo isso e muito obrigado, sir Terence David John Pratchett.
Pratchett por Paul Kidby, ilustrador
oficial da série Discworld 

P.S.: A editora Conrad lançou no Brasil vários livros desse excelentíssimo cavalheiro britânico, e todos são leitura recomendadíssima. Só da série Discworld foram doze livros, além de O Fabuloso Maurício e seus Roedores Letrados e Os Pequenos Homens Livres.

Página oficial de Terry Pratchett: http://www.terrypratchett.co.uk
Página oficial de Paul Kidby e seus trabalhos para Discworld: http://www.paulkidby.com/
Página pessoal de Paul Kidby: http://www.paulkidby.net/


domingo, 17 de abril de 2011

Mais de vinte anos esperando o metrô…

(publicado originalmente em 3 de março de 2011)

Não é segredo algum que um dos meus escritores de terror favorito é Clive Barker, bem ao lado de H. P. Lovecraft. Falando a verdade, acho que o Barker tem um pouquinho de vantagem, não por questões técnicas ou importância na literatura de terror ou algo assim É só gosto pessoal mesmo.

O primeiro volume de uma assustadora
antologia de contos de terror.
Clive Barker tem uma característica que me atrai muito: sua criatividade estranha e bizarra. Ele inventa situações e, principalmente, conceitos que são tão esdrúxulos que tornam suas histórias e contos (e mais recentemente os seus romances longos) únicos e memoráveis. E não é só isso, o quê alienígena e distanciado que ele impõe nas suas histórias colabora ainda mais com o clima de estranheza que deixa tudo ainda mais assustador.

Nem sempre é bom o leitor ficar perdido demais ao ler um livro, senão ele se cansa e larga a leitura, mas no caso de Barker, ele tem outros pontos que conseguem prender a atenção. Um deles é justamente a mesma estranheza que pode gerar essa confusão! A coisa é tão diferente e bizarra, que se tem aquela vontade de tentar entender, mesmo que a resposta não seja a coisa mais agradável do mundo.

Bom, se essa capacidade de criar coisas e histórias estranhas e bizarras é uma das características mais marcantes no trabalho de Barker, também é uma maldição para o escritor. Por conta disso, fica difícil termos boas adaptações cinematográficas das espetaculares histórias saídas da mente desse autor insano. A coisa chegou num ponto que o próprio Clive Barker decidiu se tornar diretor, depois de dois resultados pra lá de sofríveis (estragando inclusive um de seus melhores contos, Cabeça Descarnada), Barker meteu as caras e dirigiu uma adaptação de Hellbound Heart, noveleta que ele tinha escrito pensando na tela grande. O resultado foi um dos mais marcantes e criativos filmes de terror da década de 1980, Hellraiser – Renascido do Inferno.
Muito ruim, não? Barker também achou,
 disse que faria melhor... e fez!

Mas essa “maldição” continuou muito ativa, permeando todas as outras tentativas de adaptação de obras de Barker, inclusive quando o diretor era o próprio Barker, que não conseguiu acertar a mão em Raça das Trevas (Nightbreed, 1990, que depois eu vou falar mais a respeito) e nem em O Mestre das Ilusões (Lord of Illusions, 1995). Mesmo sendo fã do trabalho dele e tendo um enorme interesse em todas as filmagens baseadas em seus livros, não deixo de reparar como elas geram filmes fracos. Nenhum chegou aos pés do primeiro Hellraiser, por melhor que fossem. Gosto bastante de Candyman, mas ele acaba se perdendo em algum ponto, e fica apenas um filme de sustinhos, novamente desperdiçando uma excelente história e um personagem com um tremendo potencial. O próprio Hellraiser virou uma franquia, com sete continuações, das quais uma é passável, duas são fracas, uma é ruim e as outras três são péssimas.

Metrô de madrugada, Vinnie Jones e um martelo
de carne. Acho que vou descer na próxima estação...
Depois de tudo isso, qual não foi a minha surpresa ao ver O Último Trem (The Midnight Meat Train – 2008), filme pouco divulgado e pouco badalado, onde o diretor Ryûhei Kitamura finalmente conseguiu pegar o clima não apenas do conto que originou o filme, mas da maioria do trabalho de Barker. Um roteiro razoavelmente simples, mas tremendamente bem executado, com atuações ótimas, em especial a de Vinnie Jones, que sem falar uma palavra sequer conseguiu criar um assassino brutal e assustador que gela o sangue de qualquer um com um simples olhar. Tá bom, tá bom… vamos dar um pouco do crédito também pro diretor…

Não é exatamente um filme que atrai grandes multidões ou que irá satisfazer o gosto de todos, mas é fiel ao espírito do que Clive Barker queria quando se dispôs a usar a cadeira do diretor em 1987 para mostrar sua visão distorcida de um inferno sádico onde criaturas torturam almas com promessas de prazeres além da imaginação (e onde os conceitos de “prazer” e “sofrimento” são meio confusos). A história tem poucas explicações e não vá esperando entender tudo o que se passa na tela, não espere ter respostas para cada cena, porque essa é a intenção.

Levou mais de vinte anos, mas finalmente Barker teve uma de suas histórias adaptadas de forma digna. E bizarra. E assustadora.

O Terror, o Terror...

(publicado originalmente em 23 de fevereiro de 2011)

Quando tinha por volta de dez anos, eu era um garoto todo certinho, todo bem comportado. Eu dormia cedo todos os dias, pra não perder a hora de ir pela manhã para a escola, de segunda a sexta.

Mas as sextas-feiras eram dias especiais. Como eu não tinha aula nos sábados e não precisava acordar cedo, então eu podia ficar acordado até “altas horas da noite”. Se formos comparar com hoje em dia, nem era tão tarde assim, mas era um feito e tanto (pelo menos na minha cabeça) conseguir ficar acordado até essas horas, assistindo a filmes que a gente tinha visto que ia passar durante a semana.

Ver esses filmes de “adulto” (e nem estou me referindo a filmes pornô, mas aqueles que eram considerados feitos para adultos, filmes policiais, de ação, drama, etc.) era como uma prova de coragem entre os garotos da escola, dependendo do caso, o assunto do dia. Ainda não existia TV a cabo em grande escala, e poucas famílias tinhas vídeo-cassete, e as escassas oportunidades de se ver um filme que tinha aparecido em revistas ou jornais, era quando os canais de TV aberta conseguiam comprar esses títulos e faziam o maior alarde sobre quando seria exibido. Filmes famosos como Caçadores da Arca Perdida e Os Caça-Fantasmas eram anunciados por semanas antes de irem ao ar e quando passavam era como se fosse um grande evento, a família marcava dia e hora para vê-los.

Se era assim com filmes conhecidos, o que dizer de filmes que ninguém sabia do que se tratava? Como os filmes de terror. E se era motivo de orgulho para um garoto de dez anos conseguir assistir a um filme de “gente grande”, imagina como era quando esse garoto conseguir ver um filme de terror! Ser o primeiro da turma a comentar sobre o filme era um dos melhores momentos do dia.

Eu esperava ansiosamente pela chegada da sexta-feira, porque enquanto os canais de maior audiência deixavam o sábado como o dia para os grandes lançamentos e os filmes mais conhecidos, outros canais reservavam a sexta-feira pra filmes de gêneros específicos, como faroeste e, o meu favorito, o terror.

A Record tinha um horário na noite de sexta-feira para exibir filmes de terror, na maioria das vezes, produções da Hammer (ou outras produtoras contemporâneas a ela) e grandes nomes como Christopher Lee, Peter Cushing e Vincent Price apareciam com frequência nessas produções.

Christopher Lee, Vincent Price, John Carradine e
Peter Cushing em  The  House of Long  Shadows (1983)
E o pequeno Rogerio de dez anos era um assíduo espectador desses filmes todas as sextas. Esperando meu pai chegar do trabalho, eu ficava na sala da casa, naquela mistura de medo e deslumbre. Invariavelmente acabava caindo no sono, e a minha mãe pacientemente me levava pra cama.

Muitos desses filmes eu só fui saber o final anos depois, quando eu, bem mais adulto, encontrava o filme numa locadora ou para vender em lojas ou sebos, e nem mesmo assim (ou talvez por causa disso) eu deixei de adorá-los.

Para mim, esses filmes que deveriam se assustadores se tornaram momentos preciosos da minha infância. Pra mim, as histórias não eram contos monstruosos e hediondos, os vilões não eram seres malignos que encarnavam tudo que existe de ruim na Humanidade. Não via os filmes porque eu era insensível e cruel, porque eu seria uma criança sádica que adorava ver o sofrimento dos outros… nada disso.

Basil Rathbone, Vincent Price, Peter Lorre e Boris Karloff.
Esses adoráveis cavalheiros do Horror Clássico...
O grandes atores desses filmes, Christopher Lee (o eterno Drácula, apesar dos mais jovens só lembrarem dele como o Saruman de O Senhor dos Anéis), Peter Cushing (um dos Van Helsings mais icônicos do cinema, e que já interpretou um vilão que mandava o Darth Vader calar a boca), Boris Karloff (o inesquecível monstro de Frankenstein, cuja verdadeira paixão era escrever histórias infantis) e Vincent Price (o impagável Doutor Phibes, e que na vida real era ator de teatro clássico, gourmet e colecionador de arte) eram minhas companhias nas noites de sexta. Eram como tios divertidos, alguns até engraçados, que estavam ali para me distrair enquanto meu pai não chegava.

Obs.: Haviam outros atores que eu só fui conhecer depois, mas que também tem um lugar nas minhas boas recordações: Peter Lorre, Bela Lugosi, Basil Rathborne, John Carradine, Donald Pleasence e Lon Chaney Jr.

A impressão que eu tinha (principalmente quando Vincent Price fazia aquela sua cara fanfarrona) era que eles estavam me dizendo “oh, você tem que esperar? Então nós vamos contar uma história assustadora e divertida pra você…”. Eram pessoas legais e bacanas, cuja história verdadeira, longe das câmeras, teve uma grande influência na construção do meu caráter e no que eu acabei me tornando. Todos eles eram atores que retratavam monstros ou maníacos, mas eram (e são, já que Christopher Lee ainda está vivo) todos cavalheiros, pessoas de educação e cultura incomparáveis, alguns até vindo de família nobre e com título de “sir”.
Um momento de descontração (um tanto que mórbida) durante as filmagens
da comédia de humor negro Farsa Trágica (The Comedy of Terrors, 1963)  

Se hoje eu gosto de filmes e livros de terror, é porque eu queria esperar meu pai chegar em casa e, em partes, por culpa desses honrados senhores.

O que aconteceu com o Gabinete?

Saudações.

"Maldição! Pra onde foi aquele blog?"
Infelizmente, o Gabinete ficou fora do ar por alguns dias, graças a uma pequena série de problemas técnicos e pessoais que, felizmente, já foram resolvidos. Um desses problemas foi com a minha conta no blogger, que acabou movendo o blog, bagunçando um pouco as coisas.

Resolvi de uma forma meio tacanha, mas que vai funcionar sem maiores problemas. O endereço mudou (com um simples "o" antes de Gabinete), mas nada de muito difícil de se encontrar, eu creio.


Como estou acertando tudo por aqui, mas não tive como recuperar os adoráveis comentários daqueles que me visitaram logo nos primeiros dias do meu primeiro blog. Vocês sabem o quanto eu fiquei feliz com suas palavras simpáticas, mas não consegui recupará-las para postar aqui novamente.

Os primeiros textos serão postados novamente, e, em poucos dias, colocarei também material novo. Só tenham um pouco de paciência com esse novato no mundo dos blogs.

Muito obrigado.