terça-feira, 11 de setembro de 2012

Sobre Médicos, Monstros e Personalidades Difíceis


O livro O Médico o Monstro (cujo título original é muito mais legal: The Strange Case of Doctor Jekyll and Mister Hyde, que seria mais ou menos O Estranho Caso de Doutor Jekyll e Senhor Hyde), de  Robert Louis Stevenson, é indiscutivelmente um grande clássico da literatura, e uma das bases do gênero fantástico (ou terror, dependendo de algumas considerações). A obra foi adaptada para dezenas de versões no teatro e para o cinema também, gerando espetáculos fantásticos, verdadeiros desfiles de grandes atuações.
Olha o vovô da Drew Barrymore
como o bom doutor no filme de 1920

Confesso que, entre as histórias dos monstros considerados com clássicos, essa nunca foi uma das minhas favoritas.

Concordo que os grandes atores que encarnaram o personagem, desde o lendário John Barrymore (eu sei que tiveram outros antes dele, mas eu gosto de lembrar dele como o primeiro a ser lembrado, oras), passando por Frederich March (ator do clássico de 1931, que ficou mais icônico) até Spencer Tracy, Michael Caine e Jack Palance. Até mesmo Boris Karloff já interpretou o médico de duas personalidades, na comédia Abbott e Costello encontram Dr. Jekill e Mr. Hyde (de 1953).  São performances inesquecíveis e marcantes, e não tem como falar mal do talento dos atores citados (talvez do Jack Palance...), mas o problema, pra mim, nunca foram os atores, mas a história.

Karloff, assustando Abbott e
Costello como dr. Jekill.
Eu, mesmo quando era bem mais jovem, não conseguia “comprar” a história de um médico que tinha feito uma fórmula que eliminasse o seu lado mau, como se fosse uma doença ou uma toxina. Ora, ser bom ou mau depende de escolhas feitas pela pessoa, e os próprios conceitos de “bom” ou “mau” variam muito, de acordo com a pessoa, cultura, tempo, educação etc. E também não via o Mister Hyde suficientemente maligno para ser a encarnação de toda a maldade do Doutor Jekyll. A história me soava falsa, meio exagerada. Se eu dissesse o enredo básico para um editor, ele jamais aceitaria publicá-la.

Então, se eu não gosto, por que raios estou enrolando tanto pra explicar isso? Simples, porque mesmo eu não gostando da história original, acabei colocando entre as minhas séries favoritas dos últimos tempos justamente uma versão do famoso caso estranho do doutor Jekyll e Mr. Hyde. Pois é, eu percebo a ironia de tudo isso…

Acidentalmente, vi passando na TV a cabo (no Multishow, se não me engano) um episódio de Jekyll, minissérie em seis episódios que trazia a história do pobre doutor bonzinho e seu alter ego malvado para os dias atuais. Ou pelo menos atual na época, já que a série é de 2007.  E, pra variar, a série era uma produção da BBC.

Em Jekyll, um preocupado doutor Tom Jackman contrata uma enfermeira para vigiá-lo durante uns certos períodos de tempo em que ele... não é bem ele. Intrigada, a enfermeira começa a perceber que não é um caso de múltiplas personalidades, mas um problema mais estranho. Jackman se transforma em outra pessoa, não apenas psicologicamente, mas também fisicamente, demonstrando habilidades extraordinárias e impressionantes. Esse alter ego tem uma personalidade própria e complicada, oras sendo ameaçador, perigoso e selvagem para em seguida ser protetor, incrivelmente astuto e articulado. Comentando a semelhança do caso com o mostrado no livro de Stevenson, essa personalidade acaba adotando o nome de “Hyde”.

Não parece um cara legal?
Daí pra frente, a trama se complica, envolvendo certas reviravoltas bem interessantes e curiosas, mas o grande destaque mesmo é a forma como é mostrada a diferença entre Jekyll, quer dizer, Jackman, e Hyde. Interpretados pelo mesmo ator (o irlandês James Nesbitt, pouco conhecido por aqui, lembrado talvez por sua participação em A Fortuna de Ned) os dois personagens são totalmente diferentes, e mesmo em uma cena passada numa sala escura, pode-se notar que não é mais o bom doutor que está ali, mas um Hyde tremendamente furioso.

Nesbitt não muda apenas sua voz ou despenteia o cabelo, mas parece aumentar o seu porte físico! Ele anda de forma diferente, usa linguagem corporal distinta para cada personalidade… até mesmo o olhar pra câmera é outro. Uma interpretação fantástica, que rendeu inúmeros elogios e indicações de prêmios para Nesbitt e para a série.
É só não deixá-lo irritado. Você não vai gostar
de vê-lo irritado...

Além disso, a simples noção de “um soro para separar o lado bom do lado mau da pessoa” foi aprimorada no genial roteiro (mais um trabalho magistral do genial Steven Moffat, que tem o meu respeito, com uma única exceção), que atualizou a história, colocou o(s) personagem(ns) em situações novas e mesmo assim manteve o clima de suspense meio sobrenatural e meio policial da história, com elementos dois gêneros, colocando mais alguns.

Apesar de se chamar Jekyll, o astro da série é, sem a menor sombra de dúvida, o “novo” Mr. Hyde. Um personagem complexo e simples ao mesmo tempo, ele não é exatamente maligno. Ele não é “mau porque é mau” ou porque “é desse jeito e acabou”, ele tem motivações e vontades diferentes do que está acostumado a encontrar em pessoas... normais, ele não tem travas morais ou questionamentos sociais, o que somado a um conjunto de habilidades físicas extraordinárias, o torna um ser muito, muito perigoso. Mesmo assim, você fica morrendo de vontade para ver o que ele vai fazer em certas situações, quase que torcendo pra ele (hmm... quase nada, fica é mesmo torcendo pra ele). E duvido que alguém não torça pro Hyde depois da cena no zoológico.

O box nacional com a série completa.
Mais uma vez, é uma série britânica genial que passou meio que batida por aqui, sendo exibida com muito pouco destaque, e ainda assim, num canal de TV a cabo. Como não tinha nenhum ator famoso, de filmes famosos, dificilmente chamaria a atenção das emissoras e das distribuidoras de filmes.

Animado com o sucesso de Sherlock, Life on Mars e Doctor Who, todos lançados pela distribuidora Log On, eu estava prestes a escrever pra eles, sugerir Jekyll como próximo lançamento, tentar fazer uma campanhazinha pela série, ou algo assim. E qual não foi a minha surpresa, ao entrar na página da Log On para mandar uma mensagem, de encontrar o anúncio (com direito a trailer, dá uma olhada aqui ó)... do lançamento do box de Jekyll!

Isso mesmo, Jekyll está a venda nas lojas brasileiras, em um box com os seis episódios, a série completa! Depois de tudo que eu escrevi, nem precisa dizer que é pra lá de recomendada, né? (puxa, do jeito que eu fico elogiando as séries britânicas aqui, vão pensar que eu só estou aqui pra fazer propaganda pra Log On...)

Uma versão tão bacana, tão legal e com atuações tão espetaculares que conseguiu mudar retroativamente minha opinião sobre a obra original! Mesmo com a desculpinha do soro, a proposta até que é interessante e pode render excelentes histórias. E sem esquecer que foi esse livro que inspirou Stan Lee a criar o Incrível Hulk.

Não parece que ele vai dizer
"Acredite, se Quiser"?
Agora, só me falta juntar coragem para conseguir assistir (sem rir) a versão com o Jack Palance.