quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Uma Situação Crítica


Na minha postagem mais recente (que agora já não é tão recente assim), eu compartilhei um artigo de Vincent Price reclamando do tratamento da crítica para os filmes de terror. Um artigo publicado em 1963, no qual o Rei do Grand Guignol fazia considerações pouco lisonjeiras aos ditos críticos de cinema da época, que  deveriam começar a levar a sério o gênero do terror.

Price era famoso por ser um perfeito cavalheiro (além de suas atuações divertidas), um parâmetro de boa educação e finesse. Era realmente muito raro encontrar momentos onde ele perdia a sua compostura e demonstrasse qualquer sinal de impaciência. Mas, no texto que publiquei, nota-se a insatisfação do ator com a crítica (dita) especializada em cinema. 

Outra coisa que pode-se notar é a impaciência dele com a exaltação dos críticos do “method acting” e os chamados  “method drama”. Este era um sistema de atuação que estava com algum destaque na época, muito influenciado por técnicas e sistemas de atuação de Constantin Stanislavski e Lee Strasberg, onde o ator utiliza um processo de imersão para criar personagens mais realistas. Price era um ator clássico, com raízes shakespearianas, e com um imenso orgulho do seu estilo histriônico, totalmente adequado a grande maioria dos filmes de terror que fazia e era evidente que seria bem contrário ao method acting.

Não que o sistema seja ruim (muito pelo contrário!), mas a questão aqui não é qual estilo de atuação é melhor que o outro ou nada disso. A questão é a preferência de um em detrimento do outro, e quais critérios usados pra isso, por profissionais que (idealmente) não deveriam ter uma preferência pessoal ao exercerem a função que escolheram como seu trabalho, sua profissão.

Olha só como os críticos deixaram o Tio Vinnie...
E o que me deixou relativamente impressionado, é ver que isso acontecia em 1963… e que continua acontecendo hoje, cinquenta anos depois!

Um crítico de cinema deveria ser uma pessoa preparada para avaliar um filme da maneira mais completa possível, para emitir uma análise especializada, embasada, com argumentos e elementos técnicos, que deveria servir de orientação para uma pessoa interessada em saber se o filme vale a pena, ou que quer apenas saber mais a respeito do que vai ver no cinema.

Claro que isso é a teoria. E claro também eu estou me baseando pelo que seria a coisa ideal. Existem cursos de faculdades dedicados especificamente para a crítica de arte, cursos que ensinam como se compreender e analisar arte. Por diversos motivos que levariam o tempo de um… curso de faculdade para explicar, o cinema também entra na categoria da arte, principalmente no que diz respeito a crítica. Ou melhor, deveria entrar (notou que eu estou falando várias vezes “deveria”, né? É de propósito).

Este aqui foi considerado um filme menor...
mas só quando Steven Spielberg não
era famoso e influente em Hollywood.
Hoje a crítica considera um clássico.
Mas, uma das coisas que me irrita bastante quando vejo uma crítica de cinema, é a falta de embasamento para se analisar um filme. Os críticos mais famosos, conhecidos e badalados, raramente fundamentam suas opiniões nos elementos essenciais e necessários de uma crítica, aqueles que deveriam ter aprendido em uma faculdade, ou pelo menos, se interessado em conhecer, aprendendo de alguma outra forma. A grande parte da crítica é baseada simplesmente no gosto pessoal de quem escreve ou, nos casos mais vergonhosos, copiando outras críticas de nomes mais conhecidos da área, seguindo a moda de elogiar ou detestar determinados filmes do momento.

Aí, me vem aquele leitor e me diz “mas Saladino, qual o problema do cara escrever a opinião dele?”, e eu digo que não tem problema nenhum. Quando a pessoa faz isso deixando claro que é o gosto pessoal dele, uma opinião, é algo totalmente diferente de dizer profissionalmente que o filme é bom ou ruim. Note que a palavra-chave aqui é “profissionalmente”. Qualquer um pode dar sua opinião, mas o crítico assumiu o papel de profissional da opinião (um termo bem contraditório, se pararmos pra pensar), abraçando os seus louros. Mas, deveria então, conhecer pelo menos as responsabilidades que também acompanham esse título.

Raramente eu vejo um crítico entender a proposta do filme, avaliar as referências utilizadas, o estilo em questão, os elementos essenciais do gênero e se a execução do filme cumpriu o seu propósito e sua intenção.  Eu vejo isso, mas nos filmes do gênero que o crítico gosta (e faz questão de anunciar publicamente isso), mas não em outros. Sendo bem claro, gêneros como terror, comédia e ficção, são sempre deixados de lado, considerados indignos da grande crítica. Afinal, pra esses críticos, esses gêneros parecem não ser cinema. Se o cara é crítico de cinema, deveria entender e analisar todos os gêneros, ou então dizer que é crítico de cinema de drama, de arte etc.

Já presenciei um crítico dizer que achou um filme fraco porque tinha o estilo “muito videogame”, mas o filme em questão era justamente a adaptação do jogo Silent Hill (que, para quem não sabe É um jogo de videogame) para o cinema! Essa pessoa não se deu ao trabalho de pensar por alguns segundos que o longa deveria ter a mesma estética do jogo? Que deveria remeter ao jogo que o originou? Que era exatamente essa a proposta? Resultado: uma crítica feita com base em gosto pessoal, que não leva em consideração justamente o público para qual o filme foi feito!

Cinquenta anos se passaram e ainda temos muitos, mas muitos problemas quando paramos pra ler as críticas de cinema e com toda a mística que existe ao redor da figura do crítico de cinema. Grandes nomes chegam a ter a cara de pau de mudar sua avaliação, dependendo da mídia (ou canal) onde estão falando e do momento. Por exemplo: um certo crítico famoso, durante os primeiros dias de exibição de O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel fez comentários mornos e cinzentos a respeito do filme, dizendo que era uma aposta ousada e não falando absolutamente nada positivo sobre a obra. Três anos depois, quando a franquia O Senhor dos Anéis já tinha se provado como um sucesso histórico e O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei concorria a ONZE Oscars, o mesmo crítico, durante a entrega dos prêmios, afirmou que sempre tinha torcido pela trilogia, pelo trabalho do diretor, que acompanhava a carreira dele e que todos os Oscars que ganhou era um  reconhecimento merecido.
"Quer dizer que a minha atuação só ficou boa no terceiro filme?"

Como assim???

Para quem fica revoltado com os pseudocríticos que infestam a mídia (impressas, visuais , virtuais etc.) por aí, vale lembrar que esse problema não é de hoje, e que já chegou a acabar com a paciência de gente com Vincent Price. Crítica que, no lançamento, trucidou diversos filmes (como Psicose, Planeta dos Macacos e Veludo Azul) que ela mesma depois reconheceria tempos depois como grandes clássicos importantíssimos na história da Sétima Arte.

Então, sobra para nós algumas atitudes a se tomar. Dar para a crítica (dita) especializada a devida atenção, ou seja, a mesma dada a qualquer pessoa que opina sobre um filme, considerando seus gostos, preferências e etc., tirando-a do pedestal de “grande especialista em cinema”.

Podemos também ignorá-la completamente e conferir os filmes nós mesmos, formando a nossa opinião, comentando e discutindo nossas sensações a respeito, fazendo isso com os amigos, em reuniões, conversas, páginas na internet, redes sociais etc. Tudo isso com educação, claro, lembrando que são gostos diferentes, opiniões diferentes que merecem alguma consideração e reflexão (coisa que muito crítico não faz).

Afinal, não é coincidência que “crítico” seja uma palavra com um significado não muito positivo.

Olha outro que sofreu
nas mãos dos críticos...
P.S.: Antes que alguém me… critique,  eu escrevi este artigo como uma reclamação/desabafo dos pseudocríticos que fazem um grande esforço para se mostrar como seres superiores que entendem cinema de uma forma diferente que nós, reles mortais. E sim, eu sei que existem uns poucos críticos de cinema que são excelentes e não fazem isso. Este artigo não é pra eles.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Defendendo os Filmes de Terror



Esta imagem foi publicada em dois excelentes tumblrs que eu sigo, o Where Beauty & Terror Dance e o GreGGory’s SHOCK! THEATER Aliás, ambos recomendadíssimos, assim como o tumblr do roteirista Steve Niles, o responsável pelo assustador 30 Dias de Noite (os quadrinhos que deram origem ao filme de mesmo nome, igualmente assustador). O site dele foi indicado como tendo publicado também a imagem abaixo, mas eu não encontrei.

A imagem é, na verdade, um artigo publicado em 1963 (não sei ao certo em qual revista), onde Vincent Price defende os filmes de terror.

Pra facilitar a vida de tudo mundo, eu coloquei uma tradução aproximada do texto logo abaixo da imagem.

Hmmm... tem muita coisa a se falar sobre esse artigo, e algum contexto a se deixar claro, então vou guardar pra comentar na próxima postagem (já que a tradução ficou bem grandinha).



Tradução (meio que aproximada e adaptada)

Vincent Price deixa de lado a maquiagem de Hollywood para discutir os filmes de terror.


Em Defesa dos Filmes de Terror

por Vincent Price

   Já é hora de os críticos de filmes de cinema começarem a levar a sério os chamados filmes de “terror” ou “horror”, ou seja, os legítimos filmes desse gênero baseados em clássicos reconhecidos ou histórias originais de nossos principais escritores.

   Duas coisas já foram estabelecidas sobre esses excitantes produtos da indústria cinematográfica: o público e o os profissionais atuando neles os levam a sério e se divertem com eles. Grandes produtoras de filmes, como a American-International Pictures, confirmam que a maioria do público apoia tais filmes, como Mansão do Terror (The Pit and the Pendulum, 1961), Obsessão Macabra (Premature Burial, 1962) e Muralhas do Pavor (Tales of Terror, 1962), todos baseados em obras clássicas de Edgar Allan Poe.

   Por mim, e falo por uma maioria de atores sérios, esses filmes de Poe são divertidos de se fazer e são uma grande fonte de satisfação para mim como ator. Eles representam um grande desafio dramático para mim que filmes comuns, com sua realidade “superficial”, não conseguem oferecer.

   O verdadeiro desafio para qualquer ator digno da sua profissão é a oportunidade de retratar de maneira convincente a “inrealidade”.  Afinal de contas, esta não é a premissa original de atuar, a raison d’etre, ou razão de ser, do ator, a arte do faz de conta?
   
   Um caso perfeito é o meu filme mais recente, O Corvo (The Raven, 1963), baseado no excelente poema de terror de Poe. Eu ainda tive o privilégio adicional de trabalhar neste filme com dois dos melhores atores de Hollywood; Peter Lorre e Boris Karloff, e tenho certeza de que eles também apreciaram o desafio de tornar Edgar Allan Poe crível tanto quanto eu.

   Diferente de outros filmes para o cinema, os filmes de terror ou horror oferecem para os atores sérios a oportunidade única de exercitar seu ofício e testar criticamente sua habilidade de tornar o inacreditável crível.

   Eu também acredito que filmes como O Corvo são importantes para a cultura americana em tempos em que o “método de atuação”, e as histórias sórdidas que o acompanham, é considerado um reflexo verdadeiro da vida americana.  Na verdade, esses “dramas do método” representam apenas uma pequena parcela de nosso meio.

   É nessa época que a qualidade de contos de fada dos escritos de Poe fornece uma válvula de escape divertida, saudável e muito necessária para o público americano.

   Que aqueles que condenam os filmes de terror e suspense lembrem também que, assim como os faroestes, esse tipo de diversão foi responsável pelo sucesso da nossa grandiosa indústria cinematográfica.

  Por mim, eu prefiro levar os jovens a ver um filme de Edgar Allan Poe a qualquer momento do que sujeitá-los aos amores e perversões dos nauseantes habitantes das sarjetas e dos rincões da América. E acredito que a maioria dos americanos decentes também pensa da mesma forma a respeito de divertimento.

   Que tenhamos mais histórias criativas de terror produzidas com nossas grandes mentes e talentos, e menos épicos de decadência corruptores, que apenas consomem nosso tempo.